quinta-feira, 15 de março de 2012

Amazônia Perdida - 8º dia.

Voltamos ao porto e descobrimos que parte da pauta caiu. É domingo e não tem feira. E mais, nosso capitão abandonou o barco. Ele tem parentes na cidade. A noite anterior foi de festa da padroeira. Jorge Guevara se embriagou e não quer seguir viagem. Não sabemos se mentiu, mas alegou que soube que a filha está doente e resolveu voltar a Puerto Ayacucho. Harri Yavinape topa assumir o bongo, mas a família dele está na roça e ele tem que consultar a mulher para encarar a longa empreitada. Isso vai atrasar a nossa partida em um dia. Não há outra opção.
Somos estrangeiros e temos que nos apresentar no posto de controle da Guarda Nacional Bolivariana. Cópia do passaporte, papelada que autoriza a navegação, notas fiscais dos mil litros de gasolina que transportamos e muitas perguntas dos militares. Tudo legal, vamos procurar Pascual Silva Paminare, 78 anos, cronista do povo. Excelente memória, conta a história do lugar desde a época pré-hispânica. E cita nomes e datas precisas. Uma enciclopédia regional. Poeta e compositor quero que declame uma poesia. E lá vem a realidade amazônica em redondilha.

Pascual é cultura pura. Falando em cultura, carne de caça é o prato principal para índios e caboclos da Amazônia. Abater animais para venda é crime. Sobreviver é permitido aqui na Venezuela. Quem utiliza arma de fogo precisa do porte. Não são todos que têm.

O cronista Paminare, memória viva.


Humberto Evaristo, conhecido como Niegro, e seu amigo Ciliberto avisam  que vão se armar com escopetas calibres 12 e 16 e entrar na mata por volta das sete da noite. E nos convidam para uma caçada. Os alvos serão macacos. Macacos? Vocês comem macacos? Sim! E agora? Ir ou não ir? Eis a questão.

Trata-se de documentar uma verdade. E a verdade é a nossa matéria-prima. Mesmo que seja polêmica e chocante. Então, vamos.


Estamos na carroceria de um caminhão na mata que se fecha cada vez mais. A estrada é esburacada, mas sabemos que vai ser mais difícil quando desembarcarmos. A mata é densa, úmida, quente e escura. Dois homens armados e uma equipe de reportagem se embrenham na selva. A ordem é manter o silêncio e observar pacientemente os movimentos nas árvores. Luz de lanternas de baixo para cima e raios da lua ao contrário. Niegro e Ciliberto se comunicam por assobios. Niegro se posiciona e atira. Ele é certeiro e um macaco Cofio despenca.

Aqui na Venezuela estes símios são conhecidos carinhosamente como Cuchi Cuchi. Porque esse é som que produzem. Um inocente e infantil “cuti cuti”.

Ouvem-se um segundo tiro a cerca de cem metros. É Ciliberto que acaba de abater outro pobre animal. Niegro aponta e dispara outra vez e o terceiro macaquinho sucumbe. Eles não erraram nenhum alvo. Três tiros, três macacos executados. Mas a tragédia não terminou. De volta à estrada um porco espinho vai cruzar o caminho dos exterminadores. Niegro e Ciliberto desembarcam sem armas. Cercam o animal e o executam a chutes e pauladas. Uma cena cruel. E Ciliberto ainda exibe com orgulho sua bota de borracha encravada de espinho. Pobre porco.

Os dois nativos, como definiu Kamani, são um perigo para a selva. Amanhã os matadores terão mistura em casa. Porém três cuchi cuchi e um porco espinho não pertencem mais à fauna local.


Eles comem inocentes macacos.

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