quinta-feira, 29 de março de 2012

Texto final do "Diário da Amazônia Perdida"

REFLEXÕES

Família yanomami toma banho no encontro dos rios Manipitari e Siapa, amazônia venezuelana

Começamos nossa longa jornada em Puerto Ayacucho, capital do estado do Amazonas na Venezuela e concluímos em Manaus, capital do Amazonas no Brasil. Foram dezesseis dias embarcados.

Quinze no bongo e um no expresso Taylor Noguchi. Navegamos pelos rios Orinoco, Sipapo, Autana, Siapa, Casiquiri e Negro. Foram 2300 quilômetros de navegação. Imagens marcantes e algumas cruéis cruzaram nosso caminho. Foi terrível a ação dos caçadores de Atabapo. Fizeram quatro vítimas. A execução do porco espinho a pauladas foi desumano. Não menos cruel a morte dos três  macaquinhos Cuchi Cuchi.

O peixe Valenton foi morto a golpes de facão. E o corpo de um yanomami foi queimado na fogueira. Mas conhecemos a culturade índios, criollos e caboclos. Seres da floresta gigantesca.

Gente que sabe conviver na natureza selvagem.Vislumbramos uma Amazônia de encher os olhos de paisagem. Árvores, aves e águas que vão desaguar no rio Amazonas e formar a maior bacia hidrográfica da terra. Um mundo de povos isolados em um cenário espetacular. Um pedaço do planeta que quando a gente conhece não se esquece jamais.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Amazônia Perdida - 20º. dia

Sob chuva, embarcamos no Expresso Taylor Noguchi. Oito e meia da manhã. São previstas 24 horas de viagem até Manaus.

A lancha grande tem dois banheiros, cozinha, lanchonete, dvd e ar condicionado. São servidos café da manhã, almoço e jantar. As poltronas são macias mas os bancos não são reclináveis.

Nossas nádegas, que já estão com hematomas provocados pelos quinze dias a bordo do bongo só terão descanso quando desembarcarmos em São Paulo. Vamos voar amanhã à tarde. Se não houver atraso, vamos passar o Natal com as nossas famílias.

Nossa equipe se despede do bongo após 15 dias a bordo.

É difícil dormir sentado mas o corpo sucumbe. Um cochilo é interrompido quando a lancha para em Santa Isabel do Rio Negro. Alguns passageiros desembarcam e outros embarcam. O expresso é como um ônibus aquático. A tripulação faz o que pode para atender bem, mas o tempo é longo aqui dentro e não é possível dizer que estamos fazendo uma boa viagem. Porém, para quem viajou tanto tempo em um barco indígena, estamos preparados para resistir a qualquer dificuldade.
A lancha viaja a 29 nós, cerca de 45 quilômetros por hora, formando um rastro de onda gigante. O barulho dos dois motores de 350 Hps incomoda. Para entrevistar passageiros tenho que ir à proa onde o ruído é menor. Quem comanda é uma mulher, Elisabete, de 20 anos. Porém, ela só vai assumir o posto quando estivermos chegando em Manaus. Um prático, conhecido como Casquinha, leva a lancha a maior parte do tempo. O caboclo é velho conhecedor do rio Negro, ele pilota de dia e de noite. Navega na escuridão com segurança.


Uma mulher pilota a grande lancha

Enfermeiras voltam para casa depois de dois meses isoladas em comunidades ribeirinhas. Frank,  instrutor de auto-escola retorna a Manaus depois de quatro anos em São Gabriel da Cachoeira. O casal Bira e Rosa tirou dez dias de descanso. Ele é dono de restaurante, o movimento aumenta durante as festas de fim de ano, e o dever o chama.
Doze horas de viagem e o expresso atraca no porto de Barcelos. A cidade está iluminada para o Natal. Há mais desembarque que embarque. Consigo ocupar três bancos. Tem aldulto e criança dormindo no corredor. Na madrugada um temporal interrompe a navegação. Sei disso porque me contaram. Eu dormia encolhido e roncando alto, me contou Frank.

Chegamos em Manaus às 8h55. Vinte e quatro horas e meia de viagem. Vamos pegar um vôo para Cumbica. Estaremos em casa pouco depois das 11 da noite, horário brasileiro de verão. Há tempo para comer o peru da virada.


Feliz Navidad.


Enfim, Manaus. Nossa equipe comemora o final da grande navegação.  Lucas Mello, Felipe Meireles e Gérson de Souza.

terça-feira, 27 de março de 2012

Amazônia Perdida - 19º. dia

Não vamos esperar um avião para seguir viagem até Manaus. Optamos por sofrer mais um pouco a bordo de uma embarcação. Compramos passagens e seguiremos amanhã cedo em uma lancha para 100 passageiros.

Encontramos o general José Luiz Jaborandy Junior. Ele libera nossa equipe para gravar a ação de um grupo de combate durante patrulha. Passamos pela cachoeira Adana, nos infiltramos na selva e descobrimos que vida de militar não é nada fácil na Amazônia. Eles são considerados os melhores guerreiros do mundo para ações em florestas. E há um explicação: setenta por cento do efetivo do Exército na Amazônia são índios.

Guerreiros da floresta em ação.


Desembarcamos na praia da cidade. Vamos conhecer dona Iris, 83 anos, e a filha dela, Marta, de 63. A velhinha, índia da etnia Baré, tem um restaurante. É lá que experimentamos o Quinhapira. Peixe com tucupi e pimenta. Além do bom prato ela nos brinda com um depoimento que revela simplicidade e simpatia contagiantes. Estamos cansados demais. Precisamos recuperar nossas forças para a longa jornada de amanhã.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Amazônia Perdida - 18º. dia

Dormimos na casa do tenente Junior, dentista, e tomamos café da manhã na casa do tenente  Zorzetti. As esposas deles acordam cedo e preparam uma mesa farta. Depois, sessão de fotos de lembrança e saída em voadeira do Exército. Mas não temos autorização do comando para gravar imagens das instalações e dos militares que nos dão carona. Vamos chegar antes que o nosso bongo.

Cinco horas e cinquenta minutos cravados de viageem até São Gabriel da Cachoeira, a principal cidade da região conhecida como Cabeça do Cachorro e município do Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil com quase três  mil metros acima do nível do mar. Mas daqui só da pra ver a serra Bela Adormecida.
O melhor ângulo é de uma praia de areia tão branca quanto a neve, contrastando com as águas escuras do Rio Negro que passa ligeiro com suas corredeiras. Completamos quinze dias de viagem a bordo. Foi muito cansativo, mas valeu pela grande aventura.

São Gabriel da Cachoeira-AM

Ao desembarcarmos em São Gabriel uma triste notícia. Não vamos passar o Natal com as nossas famílias. Os voos para Manaus estão lotados.
Só conseguimos passagem para o dia 25. Estamos em uma lista de espera, mas é pouco provável que embarquemos dia 23, sexta, quando sai o próximo           avião.
E de Manaus para São Paulo é outro problema. Também há lista de espera.
Fazer o quê? Papai Noel que nos perdoe mas talvez vamos ficar isolados aqui em São Gabriel da Cachoeira.

domingo, 25 de março de 2012

Amazônia Perdida - 17º. dia

Para nossa surpresa encontramos duas viajantes paulistas em San Carlos do Rio Negro. São estudantes da USP. Pergunto por quê alguém se dispõe a fazer uma viagem onde vai enfrentar mosquitos, desconforto e cansaço e ainda paga caro por isso? Para viver uma aventura e ainda praticar o espanhol, respondem.

É... neste mundo tem gente para tudo.

Vamos ao aeroporto esperar a avioneta que vem de Puerto Ayacucho. Encomendamos comida porque  nosso estoque está baixo.

O avião é pequeno e não traz nenhum passageiro. Apenas carga. Ele vai retornar levando pessoas, inclusive Kamani, o nosso marinheiro, que regressa porque não tem passaporte e não poderá seguir até o Brasil. 

Meio dia quinze. Hora da partida de San Carlos de Rio Negro.

Quase seis da tarde desembarcamos em Cucuí, território brasileiro.

Militares do Exército nos dão hospedagem no Pelotão de Fronteira.




sábado, 24 de março de 2012

Amazônia Perdida - 16º. dia

Treze dias a bordo do bongo é extenuante.

Noites e noites longe de casa. É na hora de dormir que a saudade bate forte. Os sonhos são outros. Cama, colchão macio, travesseiros brancos, ducha quente e vaso sanitário valem mais que ouro. Os mais difíceis de suportar são os pensamentos que atiçam a saudade da família. O isolamento na selva se torna o sentimento mais profundo.

Não adianta chorar, temos que encarar nosso realidade e deixar Porvenir.Os simpáticos anfitriões ainda nos oferecem um naco grandão do peixe valente.  Da barranca do Casiquiari a família de Carlos nos dá adeus. É mais uma partida.

Onde o Casiquiari encontra o rio colombiano Guaynia começa o gigante rio Negro que adiante vai entrar no Brasil. Ele serpenteia a Amazônia por mil e novecentos quilômetros até desaguar no rio Amazonas.



Chegamos à tarde em San Carlos de Rio Negro. Do outro lado do rio fica a cidade colombiana de San Felipe Néris. Enfrentamos a burocracia da Guarda Nacional. Temos que suportar o calorão e caminhar até o comando. Trecho em que vamos conhecendo quem vive aqui. Índios de várias etnias e caboclos que os venezuelanos chama de criollos.

Uma população que mistura pessoas da Venezuelana, Colômbia  e Brasil. cidade tem uma pista de pouso de terra, torre de telefonia e um  centro comercial que atende as populaçõesribeirinhas deste fim de mundo. Entro em um mercadinho e Sônia, a dona, se surpreende com minha presença. Ela é fã do jornalismo da Record que consegue sintonizar por antena parabólica.

Visitamos outros comerciantes brasileiros e vamos atrás de um lugar para passar a noite. A única pousada da cidade está lotada. Comentamos o problema com Gabriel, um morador, e ele nos oferece sua casa.

É onde vamos  pendurar as nossas redes.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Amazônia Perdida - 15º dia

Destino, Porvenir.

Aqui mora apenas uma família. Carlos Gonzalez, o pai; Crismila Navarro, a mãe; e os filhos Gabriel, Aurisnel e Miguel. Eles são simpáticos e atenciosos. Criam porco e galinha. Mantêm um conuco, a roça deles.

E a pesca é a atividade principal nos rios Casiquiari e Siapa. Vamos pescar. E Carlos pega um Valenton, ou Laulau, de mais de vinte quilos. No Brasil o valentão é conhecido como Piraíba, um bagrão. Vai ser a nossa janta. Esta é a melhor acolhida durante a viagem.

Ah! Os porcos têm nome: Jamon e Joana são os adultos. Jamonzito, Joanita e Cuchi Cuchi os pequenos. Um dia eles irão para a panela. Coitadinhos? Que nada. Coitado de quem não tem o que comer.

Falando nisso, interrompem meu texto para o jantar. Tem valenton ensopado e empanado com o ovo e farinha. Primeiro  vou experimentar a sopa. Me lasquei. Não sabia que tinha pimenta e mordi uma delas. Pegou fogo. Passado o sofrimento me fartei com o bagrão empanado.

Só faltou a cervejinha antes de ir para a rede.

O peixe Valenton vai virar jantar

quarta-feira, 21 de março de 2012

Amazônia Perdida - 14º. dia

Duas da manhã. O índio que estava doente morre. Ninguém dorme. Quase toda a comunidade chora. O canto de lamento ecoa pela floresta. Homens e mulheres vagam pela taba. Queremos gravar o drama, mas nem tudo é permitido. Os yanomami acreditam que o morto foi vítima de um feitiço feito por um xamã de uma tribo inimiga. O espírito dele, segundo os índios, foi “puxado” pelo feiticeiro. Tinha uma forte dor de estômago. Não há médico, não há diagnóstico, não se sabe a causa científica da morte. Só a versão espiritual dos índios.


O corpo do índio é cremado na fogueira


Não podemos gravar o ritual de cremação. Mas posso assistir. A cantoria chorosa prossegue. Quatro índios pintados de vermelho disparam um tiro de escopeta, pegam o corpo envolto em uma rede de dormir e jogam numa fogueira. O corpo vai arder o dia inteiro. Suas cinzas serão guardadas em um pote por duas semanas. Tempo suficiente para a colheita de muita banana. As cinzas do morto serão misturadas ao mingau da fruta e todos vão comer.

Também vai ter carne de caça. Durante a festa funerária os índios estarão pintados de vermelho e vão cantar e dançar a para comemorar a despedida. Para encerrar, eles vão yopiar. Só então a alegria vai voltar à aldeia. O índio morreu no mesmo dia que se comemora a morte de Simon Bolívar, o libertador venerado na Venezuela. E no mesmo dia em que minha filha mais velha, Maíra, completa 32 anos. Ligo para ela duas vezes de um telefone satelital. Ela foi às compras para a festa. Deixo recado.


terça-feira, 20 de março de 2012

Amazônia Perdida - 13º. dia

Onze horas de viagem. Descemos o Casiquiari até o afluente Manipitari. Chegamos ao anoitecer em Maracateri, aldeia dos Yanomami. Contei 62 deles, entre adultos e crianças, às margens do rio na hora da nossa chegada. Nunca vi tanto borrachudo em minha vida. Aqui o nome do maldito mosquito é puri puri. Eles sugam sangue em bandos, aos milhares. Insuportável. O chefe da tribo não está e só vai voltar segunda-feira. O xamã autoriza o desembarque e que liguemos as câmeras. Nos instalamos em uma cabana. Na churuata ao lado a movimentação é intensa. Um yanomami, enfermo há cinco semanas, tosse forte e grita de dor.




Mais onze horas de viagem pelo rio.
   

segunda-feira, 19 de março de 2012

Amazônia Perdida - 12º. dia

Despertar às cinco e meia da manhã. Tamatama está em silêncio e coberta por densa neblina. A calmaria vai durar pouco. Adentramos na comunidade e o que vemos nos impressiona. Grandes construções. Casas, escolas, ginásio esportivo, galpões, bomba d'água, motores, pista de pouso, placas de energia solar, antenas parabólicas. Um estrutura gigantesca no município de Alto Orinoco, pleno coração da Amazônia venezuelana.

Como assim? Vamos procurar os índios Yekuana para entender. Leoncio Asiza é nativo e professor bilíngue. Ensina as crianças em espanhol e em dialeto Yekuana. Ele vai ser nosso intérprete porque vamos entrevistar Lucas Guevara, 95 anos, o homem mais velho da tribo e testemunha viva da história. O ancião conta em seu dialeto que tudo começou em 1946 com a chegada de missionários fundamentalistas norte-americanos, de uma igreja denominada Batista do Monte Sinai.

Na época os líderes yekuana se reuniram e tinham dúvida se aceitariam os gringos na tribo. Os norte-americanos ofereceram bebidas alcoólica aos índios e aos poucos foram ficando. Em Tamatama eles instalaram a Missão Novas Tribos com a proposta de evangelizar os índios. Implantaram uma escola de teologia que recebia jovens dos Estados Unidos. Os nativos, segundo o velho Guevara, eram discriminados. Não lhes ensinavam a língua inglesa e nem eram aceitos na escola dos gringos. Além disso eram os yekuana que faziam o trabalho pesado e pouco ou quase nada recebiam por isso. Semiescravidão. Os missionários também interferiam na cultura local, o que gerou críticas de antropólogos.

O cerro Druida fica próximo a Tamatama. É rico em ouro, diamante e urânio. Nativos contam que havia um acampamento de norte-americanos perto da serra. Narram que homens da missão foram vistos usando roupas parecidas com traje de astronauta e suspeitam que era uma proteção para pesquisar e extrair urânio nas terras indígenas. Tratores também eram levados para as minas e uma pista em Tamatama seria utilizada para pouso e decolagem de aviões dos Estados Unidos.

Quando Hugo Chaves assumiu a presidência da Venezuela e declarou sua política contra o imperialismo dos Estados Unidos os missionários foram expulsos de Tamatama e deixaram a rica estrutura que hoje é ocupada pelos índios Yekuana.

Nossa entrevista é interrompida pelo sargento Moralez, comandante do posto da Guarda Nacional Bolivariana. O que o militar quer esconder? Seria apenas uma questão de segurança? É o que ele argumenta mas não nos convence. Não gravamos tudo o que queríamos. Porém creio que há material suficiente para contar essa história.

O cerro Yapacana reflete no rio Orinoco.


Mais uma partida. Estamos deixando o rio Orinoco e entrando no braço do Casiquiari. Um paraíso de pássaros e peixes. Vamos navegar trezentos quilômetros até chegar ao rio Negro na divisa com o Brasil.

Seis  horas a bordo e não encontramos ninguém, nenhum barco pelo caminho. Uma região inóspita e desabitada. Ao cair da tarde chegamos a um lugar conhecido como Capivara. Um grande rancho indígena abandonado vai nos abrigar à noite. Neste mesmo local, há dois anos, se instalou um grupo de guerrilheiros das FARC. Goyo, o nosso guia, afirma que esteve com eles. Seis guerrilheiros ficavam às margens do rio e um grupo grande, que ele não sabe dizer quantos, acampava escondido na selva. Goyo observou que no local onde funcionava a cozinha havia grande estoque de alimentos o que o leva supor que eram muitos os guerrilheiros. Disse também que venezuelanos traziam mercadorias e combustíveis. Indício claro de que era oficial o apoio aos homens das FARC neste território.

Quem diria? Vamos dormir no mesmo local onde os guerrilheiros colombianos montaram acampamento. Nunca imaginei uma situação dessa.

Noite em antigo acampamento das FARC

domingo, 18 de março de 2012

Amazônia Perdida - 11º. dia

A aldeia está vazia. Os curripaco saíram muito cedo para as suas roças. Hoje é aniversário de Goyo. Mais tarde vamos comemorar com cuba libre e rum com água de coco.

Partimos logo e paramos na comunidade Bela Vista para trocar o tambor de gasolina do bongo. Aproveitamos para lavar roupa e tomar banho no rio.

Seguimos pelo Orinoco até a comunidade Cejal onde vivem 192 Yanomami. Uma família está em festa comemorando a boa caça. Estão yopiando. Yopiando? O que é isso? Eles secam, maceram, torram e moem a semente da árvore Yopo. O pó marrom, utilizado via narinas, é alucinógeno. Dizem que serve para limpar o organismo e a alma. Gostaríamos de gravar a reunião familiar, mas eles querem dinheiro. Aprenderam com os brancos que tudo tem seu preço. Como estaremos em outra comunidade Yanomami, com mais tempo para o trabalho, desistimos de gravar mais imagens do ritual. Já temos algumas para contar histórias e esperamos encontrar outro igual pela frente.

Família yanomami no rio Manipitari.


Fim de tarde. Aportamos em Tamatama, município de Alto Orinoco. Os militares do posto de controle da Guarda Nacional são acolhedores. Permitem nosso pouso e a utilização tomadas para recarregarmos as baterias dos nossos equipamentos enquanto o gerador estiver ligado, até às dez da noite. Após o jantar caímos na rede.




sábado, 17 de março de 2012

Amazônia Perdida - 10º. dia

O mais longo.

Catorze horas e meia de viagem. Nenhum personagem para entrevistar. O único contato é com militares em um posto de controle.

Passamos pelo Cerro Yapacana. Exceção na paisagem. O resto é árvore, árvore, árvore.

Chegamos às dez na noite na comunidade Cariche, dos índios curripaco. Eles estão dormindo.

Instalamos nossas redes e vamos dormir por volta das onze da noite. Uma da manhã começa uma tempestade assustadora. A chuva vai cair durante toda a madrugada.

O cerro Yapacana domina a paisagem.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Amazônia Perdida - 9º. dia

Teríamos que zarpar bem cedo mas vamos ficar para o almoço. Limpar, temperar e cozinhar. Duas mulheres dividem a tarefa de preparar os macacos. Os homens saíram para trabalhar. Fazem pequenos fretes com aquele caminhão que utilizaram para ir à caçada. Vão chegar por volta de onze e meia da manhã para saciar a fome. Só vou olhar o trabalho das cozinheiras quando os macacos já estão em pedaços na panela.

Felipe e Lucas gravaram todo o processo dantesco.  Abobrinha e banana verde acompanham o prato exótico. Um molho de pimenta com cabeças de formiga saúva vai estimular o apetite. Niegro e Ciliberto devoram a caça. Uma cozinheira e uma criança também comem os macaquinhos. Não tenho coragem. Me lembro dos cuchi cuchi na hora do crime e sinto dó. Para não fazer desfeita, experimento algumas cabeças de formiga e tomo um copo de suco de abacaxi. Agradeço a hospitalidade e anunciamos a partida.


De volta ao rio Orinoco


            Nosso bongo volta para as águas do Orinoco. Já passa das seis da tarde, horário limite para navegação nesta região de fronteira. Aportamos na comunidade Bucui. O piaroa chefe autoriza o rancho. Durante o jantar a bordo uma patrulha da Guarda Nacional Bolivariana nos aborda. Checa os passaportes e avisa para ficarmos atentos porque “há muita gente estranha por aqui”. Ainda bem que os estranhos não somos nós. Ou somos?

quinta-feira, 15 de março de 2012

Amazônia Perdida - 8º dia.

Voltamos ao porto e descobrimos que parte da pauta caiu. É domingo e não tem feira. E mais, nosso capitão abandonou o barco. Ele tem parentes na cidade. A noite anterior foi de festa da padroeira. Jorge Guevara se embriagou e não quer seguir viagem. Não sabemos se mentiu, mas alegou que soube que a filha está doente e resolveu voltar a Puerto Ayacucho. Harri Yavinape topa assumir o bongo, mas a família dele está na roça e ele tem que consultar a mulher para encarar a longa empreitada. Isso vai atrasar a nossa partida em um dia. Não há outra opção.
Somos estrangeiros e temos que nos apresentar no posto de controle da Guarda Nacional Bolivariana. Cópia do passaporte, papelada que autoriza a navegação, notas fiscais dos mil litros de gasolina que transportamos e muitas perguntas dos militares. Tudo legal, vamos procurar Pascual Silva Paminare, 78 anos, cronista do povo. Excelente memória, conta a história do lugar desde a época pré-hispânica. E cita nomes e datas precisas. Uma enciclopédia regional. Poeta e compositor quero que declame uma poesia. E lá vem a realidade amazônica em redondilha.

Pascual é cultura pura. Falando em cultura, carne de caça é o prato principal para índios e caboclos da Amazônia. Abater animais para venda é crime. Sobreviver é permitido aqui na Venezuela. Quem utiliza arma de fogo precisa do porte. Não são todos que têm.

O cronista Paminare, memória viva.


Humberto Evaristo, conhecido como Niegro, e seu amigo Ciliberto avisam  que vão se armar com escopetas calibres 12 e 16 e entrar na mata por volta das sete da noite. E nos convidam para uma caçada. Os alvos serão macacos. Macacos? Vocês comem macacos? Sim! E agora? Ir ou não ir? Eis a questão.

Trata-se de documentar uma verdade. E a verdade é a nossa matéria-prima. Mesmo que seja polêmica e chocante. Então, vamos.


Estamos na carroceria de um caminhão na mata que se fecha cada vez mais. A estrada é esburacada, mas sabemos que vai ser mais difícil quando desembarcarmos. A mata é densa, úmida, quente e escura. Dois homens armados e uma equipe de reportagem se embrenham na selva. A ordem é manter o silêncio e observar pacientemente os movimentos nas árvores. Luz de lanternas de baixo para cima e raios da lua ao contrário. Niegro e Ciliberto se comunicam por assobios. Niegro se posiciona e atira. Ele é certeiro e um macaco Cofio despenca.

Aqui na Venezuela estes símios são conhecidos carinhosamente como Cuchi Cuchi. Porque esse é som que produzem. Um inocente e infantil “cuti cuti”.

Ouvem-se um segundo tiro a cerca de cem metros. É Ciliberto que acaba de abater outro pobre animal. Niegro aponta e dispara outra vez e o terceiro macaquinho sucumbe. Eles não erraram nenhum alvo. Três tiros, três macacos executados. Mas a tragédia não terminou. De volta à estrada um porco espinho vai cruzar o caminho dos exterminadores. Niegro e Ciliberto desembarcam sem armas. Cercam o animal e o executam a chutes e pauladas. Uma cena cruel. E Ciliberto ainda exibe com orgulho sua bota de borracha encravada de espinho. Pobre porco.

Os dois nativos, como definiu Kamani, são um perigo para a selva. Amanhã os matadores terão mistura em casa. Porém três cuchi cuchi e um porco espinho não pertencem mais à fauna local.


Eles comem inocentes macacos.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Amazônia Perdida - 7º. dia

Chuva, banhos no rio, dor de garganta e um pouco de febre. Vai passar. Um galo é o nosso despertador. Zarpamos às sete e vinte da manhã. Goyo informa que vamos navegar por doze horas. Será um dia longo. Caio na rede enquanto o bongo desliza pelas águas do  Autana para chegar ao rio Sipapo e finalmente ao Orinoco. Um gigante que serpenteia pela Amazônia.

Preciso me recuperar para a longa jornada. Consigo dormir mais um pouco, tempo suficiente para o remédio agir. Acordo melhor mas só vou me alimentar lá pela uma da tarde. As horas parecem não passar. San Fernando de Atabapo é o nosso destino. O município já foi capital do estado de Amazonas. Com cerca de dez mil habitantes, é importante centro de distribuição de alimentos para as populações isoladas.

Hoje vamos ter um pouco de conforto. Uma das poucas pousadas tem apenas um quarto disponível com cama de casal e rede. Felipe e Lucas vão dormir juntos. Prefiro a rede. Chuveirada e trono de louça. É tudo que queríamos.

Nosso bongo em San Fernando do Atabapo

terça-feira, 13 de março de 2012

Amazônia Perdida - 6º dia

Despertamos com o som ambiente da corredeira do rio Autana. Saíamos da churuata, choça onde estão penduradas as nossas redes de dormir, para a primeira e deslumbrante imagem matinal. As serras Wichu, Uripika, Kuawai e Paraquia estão iluminadas pelo sol que acaba de nascer. Kuawai é o nome em dialeto Piaroa da serra Autana, aquela da árvore da vida. Montes cercados por mata selvagem. Imagem digna de um quadro. Única e que vai ficar para sempre gravada em nossas memórias.

Tudo lindo, mas é hora de partir. Vamos voltar para a boca do Autana e ao rio Sipapo e procurar personagens nesta Amazônia Perdida. É! Não encontramos ninguém. As águas imensas estão desertas. Não podemos perder o dia de trabalho. Vamos revelar nossa tripulação. Serão eles os personagens. Gregório Velasquez Bueno, o Goyo, é o guia  que faz de tudo a bordo; Cláudio Kamani Navarro Beltran é o marinheiro; Yusta Calderon, a cozinheira; e Jorge Guevarra é o capitão que conduz o bongo.

A cozinheira prepara o almoço a bordo do bongo.


Raios, trovões, tempestade. Temos que parar e proteger os equipamentos eletrônicos. Chuva a qualquer momento é normal na Amazônia. Interrompemos a viagem. Desembarcamos na comunidade Pedra de Tonina onde vivem nove famílias, sessenta e nove índios Piaroa. Moralez, o chefe, libera um rancho. Nossa equipe instala as redes. A tripulação vai dormir a bordo do bongo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Amazônia Perdida - 5º dia

Acordamos ao raiar do dia ao som de uma sinfonia de pássaros. Banho no rio Autana, café e partida. Quatro horas de navegação e chegamos à comunidade Ceguera, nome que nada tem a ver com deficiência visual. Apenas porque o som é parecido com o nome indígena, fruto de uma árvore. Teremos que esperar pelo líder, Juan Pablo Arañas. Ele está na serra sagrada para os Piaroa. Cerro Autana, segundo os antepassados dele, é o lugar onde começou o mundo. Trata-se de um monólito de rocha arenítica de 750 metros de altura. Segundo os índios a serra são os restos da Árvore da Vida que chegava ao céu e produzia todas as frutas do planeta terra. Juan Pablo chega. É homem de poucas palavras.

Juan Pablo, líder Piaroa.


Ele aceita nos acompanhar até um mirante onde vamos gravar imagens da vasta floresta amazônica e da montanha sagrada. Momento mágico no fim de tarde. O sol ainda não se pôs e a lua cheia surge na paisagem. Para completar, o dia termina com a mesma sinfonia que começou. O show dos pássaros. Escurece e chega a informação de que o gerador da comunidade está quebrado. Nosso jantar será à luz de velas e lanternas. Porém, não temos o que reclamar. Estamos em um pedaço do paraíso e, segundo os Piaroa, no exato lugar onde o Criador começou a arquitetar o mundo.

Cerro Autana, início do mundo.

domingo, 11 de março de 2012

Amazônia Perdida - 4º. dia

Seis da manhã. Hora do último banho quente em Puerto Ayacucho. Últimos preparativos para a grande viagem. Uma caminhonete e um carro. Vamos percorrer setenta quilômetros, durante uma hora, até o porto de Samariapo.

Só um quilômetro pelo rio do mesmo nome e já estamos no rio Orinoco. Primeira refeição a bordo. Galinhada e suco de goiaba. Entramos no rio Sipapo, afluente do Orinoco.

O sol se põe no rio Sipapo.


Vamos até o rio Autana para chegarmos à comunidade onde vamos passar a noite. Foram cinco horas e vinte minutos a bordo do bongo, como chamam o barco indígena de 18 metros de comprimento.

Chegamos à  comunidade Boca do Autana onde vivem os índios da etnia Piaroa ou pueril wutüja. Quase sete e meia da noite. Não está totalmente escuro porque a lua cheia é como uma lâmpada no céu.

Vamos jantar tortilla e dormir em redes. Um gerador fica ligado até dez da noite. Tempo suficiente para carregarmos as baterias dos equipamentos.

Nos próximos dias teremos que utilizar um inversor, aparelho que se adapta ao motor do barco e serve como tomada. Talvez hoje seja o dia mais “confortável” na selva.

Noite de luar na comunidade Piaroa.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Amazônia Perdida - 3º. dia

Está fácil acordar cedo. Fuso horário de duas horas e meia a nosso favor. E meia, acredite.

De um mirador vejo o rio Orinoco que predomina na paisagem de Puerto Ayacucho.

Feitas as imagens, um giro pelo comércio local.

Facões, machados, pilhas, corda, anzóis e linhas, rum, comida, remédios, combustível, gelo e cerveja.

Será que falta alguma coisa? Amanhã vamos embarcar.

Rio Orinoco

quarta-feira, 7 de março de 2012

Amazônia Perdida - 2º. dia

Embarque regional. Voo a Puerto Ayacucho e check in em hotel. Reunião para afinar o roteiro da expedição, boa comida e cama.



Hotel em Puerto Ayacucho

terça-feira, 6 de março de 2012

Amazônia Perdida - 1º. dia

Voo marcado. Não tem como escapar. Tenho missão a cumprir. O primeiro destino é Caracas, capital da Venezuela. Uma noite só. Dia seguinte, aeroporto de novo. Viagem de uma hora para Puerto Ayacucho. Há uma Amazônia venezuelana e outra brasileira em nosso caminho.

O suposto e o desconhecido. Quinze dias, ou mais, a bordo de um barco para desvendar mistérios. Viver uma aventura. E poder contar...


Caracas

Desembarcamos. Eu, Felipe Meireles e Lucas Mello. Enfurnados no hotel, matamos a fome e a sede.   Mas queremos beber em outras fontes. Vem ação pela frente.


segunda-feira, 5 de março de 2012

Amazônia Perdida

Durante 21 dias viajei com a equipe da Baboon Filmes, contratada pela Rede Record, para uma aventura nas amazônias venezuelana e brasileira.


Felipe Meireles, Gérson de Souza e Lucas Mello a bordo de um Bongo.

O objetivo, sair de Puerto Ayacucho, capital do estado do Amazonas na Venezuela e chegar a Manaus, capital do estado do Amazonas no Brasil. Mais de 2300 quilômetros de barco.

A reportagem para a televisão, exibida dia 19 de fevereiro de 2012 no programa “Domingo Espetacular”, segundo o Ibope, marcou pico de audiência de 19 pontos.


Agora é hora de revelar um pouco dos bastidores da nossa saga. Tudo foi registrado no texto batizado de “Diário da Amazônia Perdida”, que será publicado aqui durante 21 dias.

Aos poucos, vamos dividir muita coisa que não foi ao ar.

O primeiro texto do “Diário de Amazônia Perdida” será publicado amanhã.

Obrigado e vamos viajar juntos.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Estréia

Inauguro agora o meu blog. Confesso que resisti por longo tempo por causa das constantes viagens para a Rede Record. Mas minhas filhas e assessoras, Mariana Souza, jornalista formada na Faculdade Metropolitana Unidas (FMU); e Dafne Souza, publicitária formada na Univerdade Européia de Madrid, me convenceram. Marcamos uma reunião para definir a linha editorial. Aguarde! Daqui a pouco a gente volta.


À luta