segunda-feira, 19 de março de 2012

Amazônia Perdida - 12º. dia

Despertar às cinco e meia da manhã. Tamatama está em silêncio e coberta por densa neblina. A calmaria vai durar pouco. Adentramos na comunidade e o que vemos nos impressiona. Grandes construções. Casas, escolas, ginásio esportivo, galpões, bomba d'água, motores, pista de pouso, placas de energia solar, antenas parabólicas. Um estrutura gigantesca no município de Alto Orinoco, pleno coração da Amazônia venezuelana.

Como assim? Vamos procurar os índios Yekuana para entender. Leoncio Asiza é nativo e professor bilíngue. Ensina as crianças em espanhol e em dialeto Yekuana. Ele vai ser nosso intérprete porque vamos entrevistar Lucas Guevara, 95 anos, o homem mais velho da tribo e testemunha viva da história. O ancião conta em seu dialeto que tudo começou em 1946 com a chegada de missionários fundamentalistas norte-americanos, de uma igreja denominada Batista do Monte Sinai.

Na época os líderes yekuana se reuniram e tinham dúvida se aceitariam os gringos na tribo. Os norte-americanos ofereceram bebidas alcoólica aos índios e aos poucos foram ficando. Em Tamatama eles instalaram a Missão Novas Tribos com a proposta de evangelizar os índios. Implantaram uma escola de teologia que recebia jovens dos Estados Unidos. Os nativos, segundo o velho Guevara, eram discriminados. Não lhes ensinavam a língua inglesa e nem eram aceitos na escola dos gringos. Além disso eram os yekuana que faziam o trabalho pesado e pouco ou quase nada recebiam por isso. Semiescravidão. Os missionários também interferiam na cultura local, o que gerou críticas de antropólogos.

O cerro Druida fica próximo a Tamatama. É rico em ouro, diamante e urânio. Nativos contam que havia um acampamento de norte-americanos perto da serra. Narram que homens da missão foram vistos usando roupas parecidas com traje de astronauta e suspeitam que era uma proteção para pesquisar e extrair urânio nas terras indígenas. Tratores também eram levados para as minas e uma pista em Tamatama seria utilizada para pouso e decolagem de aviões dos Estados Unidos.

Quando Hugo Chaves assumiu a presidência da Venezuela e declarou sua política contra o imperialismo dos Estados Unidos os missionários foram expulsos de Tamatama e deixaram a rica estrutura que hoje é ocupada pelos índios Yekuana.

Nossa entrevista é interrompida pelo sargento Moralez, comandante do posto da Guarda Nacional Bolivariana. O que o militar quer esconder? Seria apenas uma questão de segurança? É o que ele argumenta mas não nos convence. Não gravamos tudo o que queríamos. Porém creio que há material suficiente para contar essa história.

O cerro Yapacana reflete no rio Orinoco.


Mais uma partida. Estamos deixando o rio Orinoco e entrando no braço do Casiquiari. Um paraíso de pássaros e peixes. Vamos navegar trezentos quilômetros até chegar ao rio Negro na divisa com o Brasil.

Seis  horas a bordo e não encontramos ninguém, nenhum barco pelo caminho. Uma região inóspita e desabitada. Ao cair da tarde chegamos a um lugar conhecido como Capivara. Um grande rancho indígena abandonado vai nos abrigar à noite. Neste mesmo local, há dois anos, se instalou um grupo de guerrilheiros das FARC. Goyo, o nosso guia, afirma que esteve com eles. Seis guerrilheiros ficavam às margens do rio e um grupo grande, que ele não sabe dizer quantos, acampava escondido na selva. Goyo observou que no local onde funcionava a cozinha havia grande estoque de alimentos o que o leva supor que eram muitos os guerrilheiros. Disse também que venezuelanos traziam mercadorias e combustíveis. Indício claro de que era oficial o apoio aos homens das FARC neste território.

Quem diria? Vamos dormir no mesmo local onde os guerrilheiros colombianos montaram acampamento. Nunca imaginei uma situação dessa.

Noite em antigo acampamento das FARC

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