quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

África Selvagem


O REFRESCO DA CHUVA
Mesmo exaustos das longas jornadas de trabalho acordamos bem cedo. Quando o despertador do iPad soou às seis da manhã fui conferir as condições do tempo. Choveu durante a madrugada e as gotas d'água que eu ouvia de dentro do meu chalé caíam das árvores encharcadas. 

O céu estava encoberto por nuvens esparsas e a temperatura pedia um agasalho leve. Situação oposta ao calor intenso que suportamos nos últimos dias. Eu não tinha apetite para saborear a farta comida do café da manhã. Comi apenas meia fatia de pão com manteiga, tomei uma xícara grande de café e já estava pronto para as pautas do dia.

ELEFANTES ATACAM
Amon Mwale, 43 anos, casado, pai de três filhos, agricultor na vila de Kawaza vive um drama em seu pedaço de terra. Os elefantes viraram praga para a lavoura de subsistência. Problema comum entre todos os pequenos fazendeiros do vale do rio Luangwa. 

A superpopulação de elefantes famintos se tornou um pesadelo para quem depende da agricultura para alimentar a família. Com a seca que castiga as savanas os elefantes invadem as vilas e comem as plantações. Na época da cheia do rio são os hipopótamos que invadem as propriedades. Amon perdeu 60 por cento do milho que plantou e também viu os pés de algodão serem destruídos pelos paquidermes. 

Esta é a época das mangas. Os pés deveriam estar carregados mas os elefantes estão saboreando boa parte da colheita.


NINGUÉM DORME EM PAZ
Como a invasão acontece à noite as famílias que vivem na roça não conseguem dormir direito. Os adultos se revezam em plantões durante a madrugada para contra-atacar os elefantes que  se aproximam das lavouras. Amon diz que ele e a mulher se revezam durante a noite armados com tochas para espantar os animais. "Não dormimos em paz", lamenta o agricultor. 

Encarar os elefantes é perigoso porque eles atacam humanos e matam. Ele conta quem um vizinho, deficiente auditivo, quase morreu depois de um ataque de elefante. "Se salvou por um milagre", acredita.

Amon sabe que a solução é colocar cerca elétrica na propriedade mas, tanto ele quanto os demais pequenos sitiantes de Zâmbia não têm dinheiro para isso. Eles mal conseguem alimentar e dar educação para os filhos e não sobra para tal investimento. O agricultor sonha com a ajuda de alguma organização não governamental, como aconteceu no Malawi, país vizinho. Lá os pequenos produtores ganharam os materiais para cercar as pequenas fazendas.

PLANTÃO NOTURNO
Quando anoiteceu alguns agricultores se reuniram em volta de uma fogueira na vila de Kawaza. Ficamos com eles parte da noite mas, naquele pedaço do vale do rio Luawanga os elefantes não atacaram enquanto estivemos lá. Tivemos que voltar para o acampamento porque nossos corpos sucumbiam de cansaço. Não soubemos se os bichos apareceram. Mas temos certeza de que o pesadelo dos pobres agricultores não vai terminar tão cedo.


RECEPÇÃO KUNDA
Seguimos para outra comunidade da vila de Kawaza. Nos encontramos com Obbie Banda, um líder local. Pergunto porque tanta gente tem o sobrenome Banda, o mesmo de Mathews e Malemia. 

Ele responde que é porque são pessoas da mesma tribo. Os Kunda, que vivem ao leste de Zâmbia, são excelentes anfitriões. Fazem de tudo para agradar os visitantes. Logo na chegada as mulheres oferecem manga madura cozida. A fruta fica com gosto de doce de batata doce. Prefiro o sabor da manga apanhada no pé que deixa fiapos entre os dentes. 

Estou acostumado ao sabor que experimentei na infância. Ao ver uma menina trepada em uma mangueira não perco a oportunidade e também subo na árvore para apanhar a fruta. É a oportunidade de reviver meus tempos de moleque em Guaianás, distrito de Pederneiras - SP. Mas agora não há tempo a perder, o menino cresceu e não há tempo a perder trepado na mangueira porque tem que trabalhar.

ARQUITETURA TRIBAL
Obbie me guia pelo grande terreiro disposto a mostrar como vivem os Kunda da sua comunidade. Várias pequenas edificações feitas de adobe, madeira e palha formam as habitações. Poucas são de tijolos. A privada fica em um cercado de palha com uma fossa e um vaso sanitário de madeira no centro. Na entrada, sobre uma mesinha fica uma bacia com água, sabonete e um rolo de papel higiênico. O ambiente para tomar banho é separado e tem uma laje de concreto no meio para não sujar os pés no chão batido.

A cozinha é um construída em circulo, tem parede baixa de barro, estrutura de madeira e cobertura de palha. No chão, três pedras servem de suporte para panela com vãos para queimar a lenha. O quarto, também separado, pode ser circular, quadrado, retangular, de barro ou de tijolos, dependendo do recurso financeiro do dono. 

A sala é um quiosque com tapete de palha e cadeiras rústicas de madeira. Toda família tem silo para armazenar a colheita e galinheiro. Um deles me chama a atenção porque n?o abriga galinhas mas serve como casa para pombas. Obbie me surpreende quando afirma que os Kunda têm hábito de comer pomba e acrescenta que quando há harmonia entre eles e os visitantes a ave é servida como refeição. Ingrid faz careta diante da opção do cardápio e digo ao anfitrião que aceitamos o convite para o almoço mas preferimos galinha.



COMENDO COM AS MÃOS
Sentados em uma esteira de palha na sala de visitas circular esperamos pela comida enquanto chupamos manga cozida. Primeiro nos ofereceram sobremesa para depois servir o prato principal. 

As mulheres Kunda, trajando longos vestidos de colorido forte, se ajoelham para servir o alimento no chão. Purê de milho - base da alimentação no interior de Zâmbia -, refogado de folhas de abóbora, e frango cozido formam o prato do dia. Todos comem com as mãos. 

Ao nosso lado balde com água tirada do poço, sabão, bacia e toalha para o asseio após a refeição. Estava com o estômago gritando de fome e devorei um prato cheio com prazer.

O BATUQUE AFRICANO
Antes da nossa partida os Kunda reservam uma surpresa. Batuqueiros castigam seus instrumentos de percussão e mulheres com roupas multicoloridas cantam e dançam em um espetáculo típico africano. A alegria toma conta da tribo enquanto relaxamos sob os pés de manga à espera da digestão.



FANNY, A FEITICEIRA
Não muito distante dali vamos conhecer Hetina, ou melhor, Fanny Kazimete de 63 anos, uma velha curandeira respeitada pelos Kunda. Ela diz que em 1973 descobriu que era o instrumento de um espírito de nome "Hetina" que utiliza o seu corpo para curar pessoas. Com uma Bíblia nas mãos, vestindo gorro e vestido longo e brancos e um cajado também branco ao lado ela se acomoda em uma cadeira e diz que quer contar a sua história. O gorro e o vestido têm estampa em destaque de cruz vermelha. Ela fala em dialeto chinyanja e temos ajuda de um tradutor para o inglês.

Quero saber quem é Hetina. Fanny diz que Hetina vem do céu para ajudar as pessoas doentes. Afirma que somente ao tocar no enfermo ela já sabe qual é o mal que tem que ser atacado e que cura até mesmo ferido à bala em guerra. Segunda a velha, doentes mentais saíram do seu quintal sem a doença que os atormentava. 

Ela também garante que soluciona problemas estomacais, torna férteis mulheres que não engravidam e deixam potentes os homens que não conseguem satisfazer sexualmente as suas mulheres. Vai além e acrescenta que dispensa transfusões de sangue por causa do risco de contaminação pelo vírus HIV e serve a estes pacientes um chá avermelhado feito com um pedaço de madeira que ela colhe no campo. 

Em um pequeno galpão rústico que ela chama de farmácia há um estoque de raízes, troncos, cascas de árvores e uma variedade de pó que ela jura servir de remédio para aliviar os males das pessoas que a procuram.
Mesmo isolada naquele fim de mundo, sem energia e, consequentemente, sem televisão, internet ou qualquer outro aparelho eletrônico, Hetina, ou melhor, Fanny, pede à produtora Ingrid que envie a ela uma cópia da reportagem que gravamos em vídeo.

Para quem acredita em curandeirismo...






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