segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


INTELIGÊNCIA PRIMATA
Finalmente uma noite bem dormida. Logo cedo, no rancho do orfanato para chimpanzés, o primatologista  Innocent  Mulenga dá uma aula sobre os "greats apes" (grandes mamíferos primatas) que são chimpanzés, gorilas, orangotangos, bonobos e seres humanos que não têm cauda. Não somos macacos. Macaco é o animal parecido com primata mas tem rabo.
Chimpanzé é muito parecido com humano, tem 98,6 por cento da nossa genética.

AMOR DE MÃE
É um bicho inteligente que utiliza as mãos e pedaços de madeira e gravetos como ferramentas para as necessidades diárias e demonstra, por sons e gestos, os sentimentos e as emoções. A gestação da fêmea é de oito meses, quase igual ao período da mulher. O filhote mama até os quatro anos de idade e depende da mãe até os cinco anos. A expectativa de vida é de 55 anos quando estão em cativeiro, mas vivem muito menos nas selvas da África porque são vítimas dos caçadores.

Igual a humano, chimpanzé guarda luto quando morre um animal do grupo. O sofrimento da mãe emociona qualquer coração quando ela perde um bebê. Durante dias o pequeno chimpanzé é velado no ninho no alto de uma árvore. Depois o bebê é enterrado pela própria mãe ou ela, com típica expressão da dor da perda, entrega para um funcionário do orfanato o corpinho do filho. A mãe chimpanzé, assim como as nossas, vai ficar triste por um bom tempo até que a rotina torne mais fácil suportar a dor da saudade.

SHEILA, MÃE DE CHIMPANZÉS
O Chimfunshi Orphanage foi criado em 1983 pelo casal Sheila e Dave Siddle. Ele morreu há seis anos. Ela, aos 81 anos de idade, continua em plena atividade protegendo animais vítimas de agressão do ser humano.

Sheila e a filha Sylvia recebem a equipe e reportagem com alegria. O aperto de mão da velhinha não é fraco e ela avisa com bom humor: "Cuidado, posso quebrar os seus dedos". Me admiro com a força da octogenária e respondo com um elogio: "Madame, she is a strong woman". De fato, aquela senhora é uma mulher forte.

A família de Sheila imigrou da Inglaterra para o continente africano em 1947. Ela era uma moça de 16 anos. Uma viagem de oito meses enfrentando deserto e selva. O destino era a África do Sul mas quando a família britânica chegou em Zâmbia se encantou com o lugar decidiu ficar. "Naquela época não havia guerra nem caçadores cruéis e tinha muito mais animais que nos dias de hoje", lamenta.

Antes de visitar os recintos onde ficam os chimpanzés ela nos recebe em sua casa repleta de fotos mas paredes. Imagens do marido Dave, filhos, netos, bisnetos e, é claro, de animais. Muitas de chimpanzés e de Billy, um hipopótamo que ela amava tanto quanto um filho. Sheila fica triste ao exibir um álbum de fotografias de Billy e se lembrar do animal porque ele morreu há menos de seis meses e a dor ainda não calejou em seu coração.


HIPOPÓTAMO NO SOFÁ
Billy é nome masculino, mas tratava-se de uma fêmea que foi resgatada quando era um bebê recém-nascido. A mãe foi morta por caçadores e a hipopótamo foi salva por um ranger que se chamava Billy Willyam. Quando o nome foi escolhido em homenagem ao herói que a salvou ninguém sabia que se tratava de uma fêmea e era tarde demais para mudar. Ficou Billy e pronto.
Hipopótamo é o animal mais agressivo e perigoso do continente africano, mas Billy não sabia disso. Criado desde bebê por seres humanos era dócil. Nos primeiros dias de vida tomava leite na madeira. Acostumou-se a dormir em um sofá que arriou as pernas quando o animal cresceu. Quando Billy morreu pesava 1500 quilos.

Sheila ironiza que Billy era um "bom católico" porque ele foi batizado e ficou quietinho durante o longo sermão de uma hora e meia. Quando Sheila resolvia passear de barco era um problema porque Billy também queria embarcar. Onde Sheila ia o hipopótamo seguia atrás. Se alguém se atrevia a demonstrar agressividade contra a mulher teria que se acertar contas com Billy. Para ele, ela era a líder do seu grupo e a defendia de todos os perigos.
Viemos aqui para falar de chimpanzés, mas Billy era a mascote do orfanato e Sheila se comove com o sofrimento de toda espécie de órfão e não nega abrigo.

PAL, A PRIMEIRA VÍTIMA
Pal foi o primeiro chimpanzé a ser socorrido em Chimfunshi. Estava ferido e traumatizado com as agressões que sofrera. A fama de Sheila e de Dave de dedicação aos animais se espalhou, não parou de chegar novas vítimas e hoje o orfanato abriga 123 chimpanzés, sendo que 70 deles foram resgatados e os demais nasceram aqui. Sheila gostaria de receber mais, mas, segundo ela, o dinheiro não é suficiente e o espaço para o conforto dos animais ficou limitado. A fazenda é de 25.000 acres e apenas 965 acres tem cerca eletrificada para garantir a segurança dos chimpanzés.


MÃOS FERRAMENTAS
Hora de conhecer os primatas de Chimfunsi. Chegamos na hora em que os tratadores vão alimentar os chimpanzés. A barulheira é de ensurdecer. Para o almoço os animais são confinados em recintos com grades e separados em quatro ambientes para evitar briga na disputa pela comida. Os mais jovens e mais fortes roubam o alimentos das fêmeas e dos mais fracos. A divisão facilita a partilha. Os 123 chimpanzés consomem o equivalente à carga e dois caminhões de alimento por semana. Comem frutas e vegetais e adoram biscoitos e balas de sobremesa.

É impressionante a habilidade dos chimpanzés com as mãos e os cinco dedos longos. Desembrulham balas e pacotes de biscoito, dividem ao meio a casca grossa da laranja do mato para servir de caneca na hora de beber água, manipulam gravetos para cutucar formigueiros, cavam, constroem ninhos e se atrevem a improvisar escadas com pedaços de pau. Parecem gente.
LARANJA SELVAGEM E IMPUNDU

Além de comprar a comida no comércio da cidade de Chingola, os funcionários do orfanato também colhem frutas produzidas na fazenda. Experimentei duas delas, bush orange, a laranja do mato africana, e impundu.

A laranja do mato tem a casca dura. Atirei fruta em uma parede para quebra-la. O conteúdo tem aparência de um cérebro formado por vários gomos. A polpa de cada gomo envolve um pequeno caroço e gosto é um pouco parecido com a nossa laranja pêra, não muito doce nem muito azeda. Gostei.

Impundu é uma fruta redonda e pequena com coroço e sabor que lembra um pouco banana nanica. Não é ruim. Os chimpanzés adoram tanto laranja do mato quanto impundu. Eles também apreciam um limão local de casca grossa e se deliciam com repolho. A comilança do almoço começa às 11h30 e dura mais de uma hora. Quando estão saciados os chimpanzés são soltos e, em bando, se embrenham na selva.

A VELHA DAMA E A SAUDADE
Sheila nos convida para um bate papo na casa dela. A conversa é longa. Queremos saber mais da vida dela mas é a protetora dos chimpanzés quem mais faz perguntas sobre a nossa equipe e sobre o Brasil. 

No canto da sala há uma televisão que raramente é ligada. A filha Sylvia, a nosso pedido, liga um velho vídeo cassete e exibe um antigo documentário em que uma das estrelas é Billy, a hipopótamo, e um dos personagens é Dave, o patriarca de morreu há seis vítima de enfisema pulmonar. Por alguns instantes Sylvia se retira da sala e Sheila pede para Felipe não gravar imagens dela naquele momento.

A saudade fala alto, as duas estão emocionadas e as lágrimas são inevitáveis.

Amanhã a gente volta porque ainda temos o que aprender sobre chimpanzés.





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