quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

África Selvagem

O RANGER JÁ MATOU

Hoje despertamos meia hora mais cedo para conhecer a rotina do "ranger" Mathews. Ainda estava escuro às 4 e meia e ele já escovava as botas e separava os apetrechos para limpar e lubrificar o seu rifle. No rádio de pilha, companhia diária dele, o locutor falava algo em dialeto Chinyanja que jamais serei decifrar. Pensei em pedir para que desligasse o aparelho para uma entrevista, mas preferi que aquele som radiofônico continuasse enquanto Felipe e Ingrid gravavam imagens de apoio. Era natural, fazia parte da rotina dele e eu não poderia interferir na realidade.

O ATIRADOR E A BARBIE

Além das ondas sonoras, outro detalhe me chamou a atenção. Mathews, homenzarrão com mais de 1'80 m de altura cobria a cama com um lençol estampado com bichinhos. Um ursinho se destacava entre os desenhos. Me surpreendi ainda mais quando ele me mostrou o travesseiro. A fronha era da Barbie. Homem casado, pai de seis filhos, Mathews explicou que o
lençol e o travesseiro eram as únicas coisas que trouxera de casa para se lembrar das crianças.
Ele trabalha isolado naquele fim de mundo durante três semanas e folga uma. E a saudade bate forte. "Não é fácil, mas eu e minha família tivemos que nos acostumar", consola-se o ranger. Afinal é a forma que ele encontrou de ganhar o pão.

O atirador Mathews nunca se separa de seu rifle.

MATAR PARA NÃO MORRER
O segurança de aventureiros que se embrenham nas savanas é ranger há 14 anos. Nesse período teve que matar hipopótamos, elefantes e búfalos. Porém, deixa claro que foi para defesa de seres de humanos ou porque quando um animal selvagem mata um homem tem que ser abatido. Aconteceu na própria família. O tio foi morto por um elefante e Mathews teve que liquidar o bicho.
Quero conhecer a família dele, mas essa visita tem que ficar para outro dia porque agora temos trabalho pela frente. É hora de mais uma longa caminhada.

GIRAFA NÃO "FALA"
Nosso primeiro encontro é com uma família de girafas. Descubro que elas não emitem sons e que a comunicação é feita com os olhos. São desengonçadas ao andar, mas têm uma beleza particular. A família nunca se separa. O macho é maior que a fêmea e de um colorido mais exuberante. Já a fêmea tem a cabeça maior. Os filhotes que ainda não alcançam as folhas para
saciar a fome mamam nas tetas de suas mães. São bichos ariscos quando estão na natureza e não permitem que nos aproximem muito. É lindo de se ver, mas hoje o maior objetivo de nossa equipe é procurar por leões. Haja adrenalina.

Bebê girafa mama enquanto não alcança os galhos da árvore.


O REI ESTÁ PERTO
Mathews e Malemia seguem os rastros que se misturam nas trilhas. Conseguem identificar os animais pelas pegadas e dizer há cerca de quanto tempo eles passaram pelo caminho que seguimos. Sabem que hienas seguem leões para comer a carniça deixada pelos felinos. Marcas grandes no chão batido indicam que não estamos longe do que procuramos. Pensar que
poderemos ficar frente a frente a com as feras me leva a questionar se encontrá-los é bom ou ruim. É claro que é bom para a reportagem. Mas, e se eles estiverem famintos? Não é possível que passem fome com tanta comida à disposição. Então, vamos ao trabalho.

MEDO E FELICIDADE
O rastro dos leões começam a ficar mais frescos. Eles estão bem perto, talvez menos de um quilômetro, calcula Malemia. A partir de agora nosso deslocamento tem que ser silencioso.
Mathews caminha com a arma pronta para disparar. Seus olhos estão atentos e a audição aguaçada. A expectativa aumenta. O nível de adrenalina sobe. De repente, Mathews aponta para a moita à nossa frente e sussurra: "Lions". Tudo acontece muito rapidamente a menos de dez metros de distância. Ouço um urro assustador, o coração bate muito mais forte e um misto de medo e alegria confundem meus sentimos e emoções. Os segundos demoram a
passar. Estamos muito perto de uma família de leões que, mais assustados que nossa equipe, foge e desaparece na savana. Tudo acontece muito rapidamente.

TEMOS IMAGEM
Pergunto a Felipe se ele conseguiu gravar pelo menos um leão. A confirmação vem mais tarde ao checar o material. Sim, temos o bicho, mas por apenas alguns segundos. E editor terá que usar o recurso de câmera lenta ou frisar a imagem. Parece pouco, mas, registrar esse encontro na natureza não é fácil. Estamos em um local selvagem, não em um zoológico. Só quem já fez
safari a pé sabe do que estou falando.
No período da manhã foram oito horas de caminhada sob um sol de derreter a alma. Vimos muitos outros animais, mas o encontro com os felinos foi o grande momento.

Chegamos bem perto do rei.


SEXO PROIBIDO
Quatro da tarde, o calor é mais ameno mas mesmo assim o suor escorre pelo corpo. Saímos à espera de surpresas e novos conhecimentos sobre a vida animal. Notamos que um hipopótamo está isolado de um grupo de cerca de 30 animais. Malemia explica que ele foi expulso porque tentou namorar a mulher de outro hipopótamo. Também registramos a chegada de um elefante às margens do rio Luawanga. Trata-se. Outro solitário que também tentou pegar, ou pegou a mulher do próximo quando o próximo estava próximo e se deu mal.
Como ele vive isolado da sua manada, aquele jovem elefante é muito mais agressivo que os demais porque tem que se defender sozinho naquele território hostil.

O hipopótamo namorador foi expulso do grupo.


PERFORMANCE TRIBAL
Foi um dos dias mais cansativos até agora. Caminhamos ao todo cerca de 12 quilômetros, mas valeu a pena. Só o encontro com os leões pagou o sacrifício.
Terminamos a dia com um bom jantar ao ar livre e, depois da sobremesa, uma grata surpresa, os funcionários do acampamento, liderados pelo chefe de cozinha Moffat, entram em cena sorrateiramente e apresentam um espetáculo de música e dança com gingado típico da África.
A coreografia e o som tribal do coral zambiano é o alívio para um o fim de um dia de trabalho tão cansativo.







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