O RANGER JÁ MATOU
Hoje despertamos meia hora mais cedo para conhecer a rotina
do "ranger" Mathews. Ainda estava escuro às 4 e meia e ele já
escovava as botas e separava os apetrechos para limpar e lubrificar o seu
rifle. No rádio de pilha, companhia diária dele, o locutor falava algo em
dialeto Chinyanja que jamais serei decifrar. Pensei em pedir para que
desligasse o aparelho para uma entrevista, mas preferi que aquele som
radiofônico continuasse enquanto Felipe e Ingrid gravavam imagens de apoio. Era
natural, fazia parte da rotina dele e eu não poderia interferir na realidade.
O ATIRADOR E A BARBIE
Além das ondas sonoras, outro detalhe me chamou a atenção.
Mathews, homenzarrão com mais de 1'80 m de altura cobria a cama com um lençol
estampado com bichinhos. Um ursinho se destacava entre os desenhos. Me surpreendi ainda mais
quando ele me mostrou o travesseiro. A fronha era da Barbie. Homem casado, pai de
seis filhos, Mathews explicou que o
lençol e o travesseiro eram as únicas coisas que trouxera de
casa para se lembrar das crianças.
Ele trabalha isolado naquele fim de mundo durante três
semanas e folga uma. E a saudade bate forte. "Não é fácil, mas eu e minha família
tivemos que nos acostumar", consola-se o ranger. Afinal é a forma que ele encontrou de ganhar o pão.
O atirador Mathews nunca se separa de seu rifle.
MATAR PARA NÃO MORRER
O segurança de aventureiros que se embrenham nas savanas é
ranger há 14 anos. Nesse período teve que matar hipopótamos, elefantes e búfalos.
Porém, deixa claro que foi para defesa de seres de humanos ou porque quando um animal
selvagem mata um homem tem que ser abatido. Aconteceu na própria família. O tio foi
morto por um elefante e Mathews teve que liquidar o bicho.
Quero conhecer a família dele, mas essa visita tem que ficar
para outro dia porque agora temos trabalho pela frente. É hora de mais uma longa
caminhada.
GIRAFA NÃO "FALA"
Nosso primeiro encontro é com uma família de girafas.
Descubro que elas não emitem sons e que a comunicação é feita com os olhos. São desengonçadas ao
andar, mas têm uma beleza particular. A família nunca se separa. O macho é maior que a
fêmea e de um colorido mais exuberante. Já a fêmea tem a cabeça maior. Os filhotes que
ainda não alcançam as folhas para
saciar a fome mamam nas tetas de suas mães. São bichos
ariscos quando estão na natureza e não permitem que nos aproximem muito. É lindo de se ver, mas
hoje o maior objetivo de nossa equipe é procurar por leões. Haja adrenalina.
Bebê girafa mama enquanto não alcança os galhos da árvore.
O REI ESTÁ PERTO
Mathews e Malemia seguem os rastros que se misturam nas
trilhas. Conseguem identificar os animais pelas pegadas e dizer há cerca de quanto tempo eles
passaram pelo caminho que seguimos. Sabem que hienas seguem leões para comer a carniça
deixada pelos felinos. Marcas grandes no chão batido indicam que não estamos longe do que
procuramos. Pensar que
poderemos ficar frente a frente a com as feras me leva a
questionar se encontrá-los é bom ou ruim. É claro que é bom para a reportagem. Mas, e se eles
estiverem famintos? Não é possível que passem fome com tanta comida à disposição. Então, vamos
ao trabalho.
MEDO E FELICIDADE
O rastro dos leões começam a ficar mais frescos. Eles estão
bem perto, talvez menos de um quilômetro, calcula Malemia. A partir de agora nosso
deslocamento tem que ser silencioso.
Mathews caminha com a arma pronta para disparar. Seus olhos
estão atentos e a audição aguaçada. A expectativa aumenta. O nível de adrenalina sobe.
De repente, Mathews aponta para a moita à nossa frente e sussurra: "Lions".
Tudo acontece muito rapidamente a menos de dez metros de distância. Ouço um urro assustador, o coração
bate muito mais forte e um misto de medo e alegria confundem meus sentimos e emoções.
Os segundos demoram a
passar. Estamos muito perto de uma família de leões que,
mais assustados que nossa equipe, foge e desaparece na savana. Tudo acontece muito
rapidamente.
TEMOS IMAGEM
Pergunto a Felipe se ele conseguiu gravar pelo menos um
leão. A confirmação vem mais tarde ao checar o material. Sim, temos o bicho, mas por apenas
alguns segundos. E editor terá que usar o recurso de câmera lenta ou frisar a imagem. Parece
pouco, mas, registrar esse encontro na natureza não é fácil. Estamos em um local selvagem, não
em um zoológico. Só quem já fez
safari a pé sabe do que estou falando.
No período da manhã foram oito horas de caminhada sob um sol
de derreter a alma. Vimos muitos outros animais, mas o encontro com os felinos foi o
grande momento.
Chegamos bem perto do rei.
SEXO PROIBIDO
Quatro da tarde, o calor é mais ameno mas mesmo assim o suor
escorre pelo corpo. Saímos à espera de surpresas e novos conhecimentos sobre a vida
animal. Notamos que um hipopótamo está isolado de um grupo de cerca de 30 animais.
Malemia explica que ele foi expulso porque tentou namorar a mulher de outro hipopótamo.
Também registramos a chegada de um elefante às margens do rio Luawanga. Trata-se.
Outro solitário que também tentou pegar, ou pegou a mulher do próximo quando o próximo
estava próximo e se deu mal.
Como ele vive isolado da sua manada, aquele jovem elefante é
muito mais agressivo que os demais porque tem que se defender sozinho naquele território
hostil.
O hipopótamo namorador foi expulso do grupo.
PERFORMANCE TRIBAL
Foi um dos dias mais cansativos até agora. Caminhamos ao
todo cerca de 12 quilômetros, mas valeu a pena. Só o encontro com os leões pagou o sacrifício.
Terminamos a dia com um bom jantar ao ar livre e, depois da
sobremesa, uma grata surpresa, os funcionários do acampamento, liderados pelo chefe de
cozinha Moffat, entram em cena sorrateiramente e apresentam um espetáculo de música e dança
com gingado típico da África.
A coreografia e o som tribal do coral zambiano é o alívio
para um o fim de um dia de trabalho tão cansativo.
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